terça-feira, 7 de julho de 2020

Participação social em politicas públicas

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A participação social em políticas públicas explicada em 9 questões

Adrian Gurza Lavalle
FOTO: WIKICOMMONSMontagem com foto em preto-e-branco de pessoas reunidas. Sobre a foto, há desenhos de mãos, cartazes e megafones.
A quem beneficia a participação política? Por que importa sua institucionalização? Veja como pesquisas respondem a nove pontos sobre controle social e democracia

Durante mais de 30 anos o Brasil figurou como referência empírica comum na produção científica internacional dedicada a examinar inovações democráticas e de controle social sobre a administração pública. Existe notável descompasso entre acumulação sistemática de conhecimento sobre tais inovações e o debate público nacional, oscilante entre apreciações ora entusiastas, ora condenatórias, mas sem amparo em evidências sistemáticas. Em ambos os casos, perde-se a oportunidade de identificar por que e sob que condições as instituições participativas podem contribuir ao aprimoramento das políticas públicas. Os conselhos gestores constituem a instituição participativa com maior capilaridade nos municípios do país e com presença mais diversa nas áreas de políticas. Estas nove perguntas e suas respostas organizam o que, de fato, sabemos sobre a participação social nos conselhos, visando a iluminar seu papel, potencialidades e limitações na governança das respectivas políticas.

1. A quem beneficia a participação política?

De modo geral, a participação propicia benefícios àqueles que participam quando conseguem se fazer ouvir de modo a ter suas preocupações e interesses considerados pelas outras partes envolvidas. A resposta, em princípio simples, depende de um fator não trivial, sobre o qual existe acumulação de conhecimento científico: quem tende normalmente a participar? Dois mecanismos causais operam, concentrando a propensão a participar em determinados grupos sociais: recursos e mobilização. Sem a intervenção de regras ou estímulos específicos, ambos os recursos reforçam reciprocamente seus efeitos.

Participar requer recursos diversos, como tempo, dinheiro, informação e autopercepção de eficácia, que não se encontram igualmente distribuídos na população. Imagine as chances de participação de alguém que, por exemplo, consome quatro horas por dia em transporte público entre seu domicílio e o trabalho, é mulher e realiza todo dia atividades domésticas diversas no cuidado da família e foi convidada a participar de uma assembleia com autoridades, no final do dia, em um bairro vizinho — ou seja, deverá pagar condução. As chances serão baixas. Isso porque a participação varia positivamente com renda, escolaridade e outros sistemas de estratificação social contextualmente importantes — inclusive gênero, raça e etnia.

Em outras palavras, devido à desigualdade de recursos à disposição dos grupos sociais para arcar com os custos da participação, ela se encontra positivamente associada ao status socioeconômico, assim, as pessoas mais bem aquinhoadas tendem a concentrar também os benefícios da participação. O mecanismo da mobilização reforça o mecanismo dos recursos. Contrariando o senso comum, a participa rara vez é um ato espontâneo. Por regra geral, pessoas participam porque são vinculadas a redes de mobilização e porque são persuadidas por agentes que desempenham o papel de mobilizadores — seja como militantes, ativistas ou profissionais. Os agentes dedicados à mobilização tendem a focar nos grupos sociais que, conforme sua experiência, apresentam maiores chances de se engajar e, ao agir assim, selecionam pessoas em posições relativamente vantajosas nos sistemas de estratificação social.

2. Por que importa institucionalizar a participação social em políticas públicas?

A participação social em políticas públicas é uma forma de participação política. Se orientada por diagnósticos claros, sua institucionalização está em condições de definir regras e estímulos capazes de promover o envolvimento de participantes cujo perfil pode contribuir para melhorar o desenho e operação das políticas, bem como fazer com que sua provisão responda às necessidades das populações por elas atendidas. Contudo, a participação não é “remédio para todos os males”, e inexiste um modelo único a ser seguido na sua institucionalização. Aprimorar a provisão de políticas, seja do ponto de vista do gestor, dos usuários ou da população atendida — e até reduzir seus potenciais efeitos negativos sobre populações eventualmente afetadas —, não é uma consequência necessária ou um atributo inerente à participação em si. Os efeitos dependem, antes, de condições e escolhas que têm recebido atenção de pesquisadores.

Duas condições afetam decisivamente a viabilidade e durabilidade de iniciativas de institucionalização da participação, e, quando se encontram presentes, existem ainda duas ordens de escolhas cruciais. As condições dizem respeito, primeiro, à existência de grupos sociais que demandam participação, interessados em utilizá-la para lidar com problemas que não recebem atenção do poder público por meios que demandem menos energia e recursos desses grupos. Se o voto em determinados candidatos ou partidos políticos fosse suficiente para produzir provisão de habitação de interesse social para população de baixa renda, movimentos de moradia não encontrariam vantagens estratégicas que compensassem as energias e recursos investidos nas mobilizações pela criação de conselhos de habitação e posterior ocupação das cadeiras de conselheiros. As condições também dizem respeito, em segundo lugar, à disponibilidade de recursos econômicos e institucionais que viabilizam e asseguram efeitos à participação. Sem tais recursos, a duração das iniciativas de institucionalização tende a ser curta, e o engajamento de atores sociais, rarefeito ou efêmero.

Por sua vez, as escolhas remetem a aspectos do desenho institucional que definem quem e para que participa. Se o desenho das iniciativas de institucionalização não cuida de definir claramente qual o perfil dos participantes a serem recrutados, a participação ocorrerá por “autosseleção”, produzindo uma composição socioeconomicamente enviesada (ver pergunta 1). Contudo, essa composição pode não ser desejável para os propósitos da iniciativa, que poderia atingir melhor seus objetivos recrutando participantes com outros perfis: especialistas, pessoas de grupos específicos — definidos por raça, religião, faixa etária, sexo ou outros atributos relevantes —, especialistas com expertises de interesse, atores coletivos ou uma combinação dessas possibilidades.

A definição depende de uma escolha prévia: participação para quê? Novamente, não existe um propósito único, mas o caminho mais curto para colher desapontamentos é sobrecarregar as iniciativas de institucionalização com expectativas variadas que não respondem a um objetivo claro. A depender dos propósitos, o bem a ser produzido pela participação pode ser informação, decisão ou cogestão/coprodução. A esse respeito, mais participação e mais potência a ela associada não são necessariamente superiores. No combate à corrupção e ao crime organizado, por exemplo, dispositivos de disque-denúncia objetivam produzir informação valiosa preservando o anonimato da fonte, enquanto as conferências nacionais envolvem presencialmente milhares de participantes e visam a produzir decisões sobre diretrizes consensuais para políticas setoriais — as quais, dadas suas características, não são de observância obrigatória para o poder público.

3. Quais são as instituições da participação social em políticas públicas no Brasil?

A institucionalização da participação social em políticas públicas, no Brasil, gerou um conjunto amplo de instâncias denominadas IPs (instituições participativas), passível de ser organizado em seis grupos que abarcam as experiências mais importantes implementadas no país desde meados dos anos 1980. O primeiro grupo contempla os orçamentos participativos, composto basicamente por experiências municipais realizadas ao longo de mais de três décadas em algo de mais de três centenas de municípios. O segundo compreende instâncias de planejamento urbano participativo municipal ou submunicipal, como os planos diretores participativos, os comitês participativos nas Zonas Especiais de Interesse Social ou os planos participativos de bairro em São Paulo. O terceiro é composto por instâncias de gestão de recursos hídricos organizadas com base em regionalização fluvial, como os comitês de bacia hidrográfica e consórcios intermunicipais de bacia hidrográfica. O seguinte grupo é integrado por audiências e consultas públicas: as primeiras, exigidas por lei em casos específicos, como nos de grandes empreendimentos com impactos sobre o meio ambiente ou o patrimônio, e as segundas, organizadas discricionariamente pelo poder público sobre assuntos específicos, como, por exemplo, o Marco Civil da Internet. O quinto contém as conferências nacionais de políticas públicas, que podem ser mandatórias por legislação setorial de nível federal ou convocadas discricionariamente pelo Executivo federal para explorar a possibilidade de gerar acordos sobre mudanças na política em uma determinada comunidade de políticas.

Por fim, os conselhos participativos constituem um grupo amplo de instituições de índole diversa: Consegs (conselhos comunitários de segurança); conselhos de equipamentos urbanos, como os conselhos das UBS (Unidades Básicas de Saúde) ou conselhos de gestão de parques; conselhos de programas, como o conselho do programa Bolsa Família, por exemplo; conselhos de fundos, como os conselhos do Fundeb; conselhos de políticas não setoriais ou de áreas transversais ou políticas temáticas, como aqueles de combate às drogas, do idoso, da mulher, de combate à discriminação, dos direitos da criança e do adolescente; conselhos de políticas setoriais não inscritas em sistemas como os de turismo, trabalho ou meio ambiente; e conselhos de sistemas de políticas ou organizadas propriamente como sistemas, notadamente saúde, assistência social e educação. Nas perguntas a seguir e de modo a permitir respostas precisas,faz-se referência aos três últimos tipos de conselhos, normalmente entendidos na literatura especializada como conselhos gestores de políticas.

4. Os conselhos reúnem condições para aprimorar a provisão de políticas?

Conselhos gestores de políticas (doravante conselhos), como outras IPs, dependem de duas condições para contribuir ao aprimoramento das políticas em que se encontram inscritos (ver pergunta 2). A primeira condição, a conjugação entre a presença de grupos e atores sociais que demandam a criação de conselhos e têm interesse em neles se engajar, e a segunda condição, o suporte de recursos econômicos e institucionais necessários para viabilizar assegurar efeitos à participação, caracterizam uma parte numericamente significativa dos conselhos, embora inscritos em um número relativamente reduzido de áreas. Por certo, a conjugação de ambas as condições nada diz a respeito da ocorrência ou não de efeitos nas políticas, mas informa se é razoável esperar que conselhos produzam tais efeitos. Para um número elevado de conselhos concentrados em um número reduzido de áreas de políticas, é razoável, mas não para a maioria das áreas de políticas.

Considerando as informações presentes na Munic (Pesquisa de Informações Básicas Municipais), do IBGE, existiam, em 2014, mais de 62 mil conselhos no país, inscritos em 25 áreas e subáreas de políticas; entretanto, levantamentos exaustivos realizados em municípios específicos já registraram a existência de conselhos em mais de 30 áreas e, se consideradas todas as áreas registradas na série de levantamentos da Munic entre 1999 e 2017, a cifra se eleva a 41.

A presença de ambas as condições ocorre em conselhos de saúde, assistência social e direitos da criança e do adolescente, presentes, em cada caso, em mais de 90% dos municípios do país. Quanto à segunda condição, a expansão praticamente universal desses conselhos na cartografia municipal foi o resultado de mecanismos de indução federal, notadamente do condicionamento do acesso a recursos à criação dessas instituições pelos municípios. Ademais do impulso a sua expansão, a esses conselhos foram conferidas atribuições institucionais que os tornaram instâncias decisórias em determinados processos da provisão de políticas. Assim, eles simultaneamente contam com maior capilaridade territorial e são mais ativos em termos da produção média de decisões. Por sua vez, é característico desses conselhos contar com comunidades de políticas em que atores sociais, profissionais militantes e servidores públicos ativistas se mobilizaram historicamente na construção de uma agenda reformista para as respectivas áreas.

Por diversos motivos, essa dupla convergência não ocorre na maioria das mais de 30 áreas de políticas em que existem conselhos, fazendo com que eles se encontrem presentes em um número reduzido de municípios (entre 2% e 20%, a depender da área) e acusem tendência elevada à inatividade ou não emissão de resoluções. Esse é o caso, por exemplo, dos conselhos de agricultura, ciência e tecnologia, defesa do consumidor, deficiência, desenvolvimento econômico, patrimônio, desenvolvimento urbano, direitos humanos, esporte, juventude, mulher, raça, saneamento, segurança, segurança alimentar, transporte e turismo. Por fim, entre a maioria numérica dos conselhos altamente universalizados e ativos, que reúne ambas as condições, e a minoria numérica e pouco ativa de conselhos inscritos em um leque amplo de áreas de políticas, existe um conjunto de conselhos que reúne parcialmente as duas condições, apresentando graus variáveis de atividade e presença territorial (entre 20% e 80% dos municípios). Esse é o caso dos conselhos de educação, Bolsa Família, cultura, drogas, habitação, idoso, meio ambiente e trabalho e emprego.

5. Quem participa dos conselhos?

As condições que afetam a viabilidade e durabilidade dos conselhos são insuficientes para informar a compreensão do que fazem e sua incidência sobre as respectivas políticas. A definição de quem participa é, a esse respeito, relevante (ver pergunta 2). O perfil dos atores selecionados para se desempenharem como conselheiros também importa do ponto de vista político, por seus potenciais efeitos de inclusão. A resposta é pacífica: conselheiros passíveis de serem agrupados sob o termo participação social são oriundos de segmentos da sociedade civil definidos quer pela lei de criação do respectivo conselho, quer por seu regimento interno. Contudo, as implicações dessa resposta apenas se tornam claras à luz do conhecimento produzido pela literatura especializada.

Uma parte das cadeiras dos conselhos são ocupadas por representantes do governo, comumente originários da secretaria correspondente e de órgãos afins e destinados a ocupar até 50% das vagas. Por regra geral, a outra parte das cadeiras que é reservada a conselheiros provém de organizações da sociedade civil especializadas ou com histórico reconhecido de trabalho na área dos conselhos. Assim, a participação social nos conselhos não foi institucionalmente desenhada para selecionar cidadãos, mas atores da sociedade civil ou partes interessadas (stakeholder participation) às quais se reconhecem qualidades para agir em nome de grupos sociais mais amplos do que suas organizações. Por isso, conselhos têm sido caracterizados acertadamente como instâncias de representação extraparlamentar. Dada sua composição, conselhos reúnem expertise, conhecimento formado por experiências de vida pertinentes para a respectiva área e diversidade de perspectivas, constituindo um colegiado em condições de examinar, deliberar e decidir com ganhos de conhecimento sobre os aspectos da política sobre os quais têm competência.

Se a composição dos conselhos é, em princípio, favorável ao exercício de suas atribuições, poderia não o ser do ponto de vista da inclusão. Afinal, os conselhos foram criados para dar expressão institucional ao compromisso de democratização do Estado inscrito na Constituição de 1988. Se os conselheiros da sociedade civil são comparados às características médias dos cidadãos, os primeiros apresentam renda e escolaridade médias superiores. O fato tem sido caracterizado como elitização da participação. Porém, se o desenho institucional dos conselhos não foi definido para selecionar cidadãos, mas representantes da sociedade civil, uma comparação útil para pensar seus efeitos de inclusão seria com outras instâncias de representação conhecidas — preferivelmente com algumas de acesso menos restritivo. Quando comparadas às características médias dos vereadores, a renda e escolaridade dos conselheiros são mais baixas. Em sentido coincidente, o número de mulheres conselheiras é consideravelmente superior ao de vereadoras.

6. Sobre o que decidem os conselhos?

Que os conselhos possam contribuir ao aprimoramento da provisão de políticas (ver perguntas 4 e 5) nada diz a respeito do que eles, de fato, fazem ou, de modo mais preciso, a respeito do que eles decidem. Uma forma de indagar essa questão é examinar as atribuições que lhe são conferidas por lei e normas inferiores, configurando um modelo normativo do papel concebido para eles na operação da política (ver pergunta 2). Contudo, o modelo legal não informa se as funções previstas em norma são efetivamente desempenhadas, nem com que frequência. Um caminho alternativo mais proveitoso é analisar os padrões de decisões efetivamente tomadas pelos conselhos. Não existem registros unificados nem de fácil acesso das decisões tomadas por dezenas de milhares de conselhos municipais, mas dispõe-se de conhecimento acumulado com base em censos de decisões realizados para um número limitado de municípios de grande porte distribuídos em todas as regiões do país. Graças a esse acúmulo é possível afirmar que conselhos decidem em diversos âmbitos da correspondente área de política como parte do processo regular de operação dessa área.

Conselhos decidem regularmente em cinco âmbitos das suas respectivas áreas de políticas. O maior volume de decisões, em proporção cinco vezes superior a outros tipos de decisões, corresponde a funções de gestão, por exemplo, de convênios com organizações da sociedade civil para a provisão de políticas atendendo determinados públicos; de certificação da idoneidade dessas organizações; e de aprovação ou denegação de planos de aplicação de recursos, projetos de execução e planos de trabalho de projetos aprovados anteriormente pelos conselhos. Um segundo âmbito de interesse pela sua abrangência corresponde às decisões de definição de políticas, determinando, por exemplo, critérios para o conveniamento ou para formulação de projetos, para a prestação de contas por parte dos atores públicos e privados que implementam a política, ou para tombamentos patrimoniais e definições de zoneamento urbano e ambiental. Conselhos também exercem funções de fiscalização de políticas, decidindo pela provação ou denegação de prestações de contas dos correspondentes fundos setoriais ou de relatórios de cumprimento de projetos submetidos a sanção pelo projeto executivo e operadores privados da política. Por fim, conselhos também decidem regularmente sobre si e sobre outras IPs. No primeiro caso, as decisões de autorregulação se concentram na formulação e aprovação do regimento interno — nos primeiros anos após a criação do respectivo conselho —, na definição de instâncias internas de divisão do trabalho e na organização das eleições para conselheiros. No segundo, conselhos decidem a respeito da convocação, constituição de comissões eleitorais, repasse de recursos e homologação de decisões de outras instituições participativas como as conferências de política ou conselhos tutelares.

7. Que atores são regidos pelas decisões dos conselhos?

Conselhos tomam decisões em cinco âmbitos das respectivas áreas de políticas (ver pergunta 6), mas o significado dessas decisões pode variar em função dos atores por elas vinculados, quer dizer, dos atores que devem obedecê-las. Trabalhar a questão não é tarefa simples, dada a ausência de registros acessíveis sobre a atividade decisória de conselhos para todos os municípios do país. Contudo, graças ao acúmulo de conhecimento produzido mediante o levantamento e exame de censos de decisões — referidos na pergunta anterior —, é possível diagnosticar, primeiro, que as decisões dos conselhos não regem ou exercem controle majoritariamente sobre o Estado, mas sobre outros atores, e, segundo, que o exercício desse controle aprimora a provisão de políticas porque aumenta as capacidades estatais na coordenação, supervisão e sanção desses atores.

Considerando apenas as decisões de conselhos que incidem sobre outros atores, ou seja, excluídas aquelas orientadas à autorregulação, é possível afirmar que na sua maioria, acima de um terço, estão destinadas a controlar as funções desempenhadas por organizações civis nas políticas. Esse primeiro conjunto é seguido por decisões orientadas a controlar agentes de mercado cujas ações produzem externalidades negativas sobre o meio ambiente e sobre o patrimônio ou o espaço urbano. Aproximadamente um quarto das decisões incide sobre esses agentes. Os dois conjuntos constituem a maioria das decisões e, note-se, estão orientados ao controle de atores não estatais. Em terceiro lugar, e em volume notavelmente inferior, aproximadamente um décimo das decisões tomadas por conselhos visa a reger ações do Poder Executivo, especialmente aquelas que afetam bens tutelados pelos conselhos. Também neste caso, o Estado é submetido a controle como produtor de externalidades negativas. O conjunto menor de decisões visa a controlar a administração pública na implementação de políticas — o Estado como tomador de decisões e implementador direto — e outras IPs.

Assim, os conselhos aprimoram a provisão de políticas, porque desenvolvem capacidades estatais, em primeira instância, ampliando indiretamente a capacidade de controle do Estado tanto sobre terceiras partes envolvidas na execução das políticas quanto sobre atores privados que afetam bens públicos sob tutela do Estado. Em segunda instância, os conselhos contribuem a ampliar as capacidades de supervisão do Estado sobre suas próprias atividades, seja como agente das políticas ou pelos efeitos indiretos produzidos por suas ações (externalidades negativas). Por fim, contribuem também à fiscalização e à regulação de outras instâncias participativas que, por lei ou por opção do Poder Executivo, configuram estrutura de governança das políticas.

8. Quais são os efeitos dos conselhos sobre o desempenho das políticas?

Políticas são desenhadas para atingir objetivos como meios para uma finalidade maior. Um programa de crédito à agricultura familiar, por exemplo, pode objetivar o aumento no volume de financiamento visando a incrementar a produção de alimentos. Quantificar o incremento no montante e número de beneficiários de crédito permite avaliar se a política cumpre com seus objetivos declarados. Porém, é desafio conhecidamente complexo na avaliação de políticas demonstrar que o eventual incremento na produção de alimentos (finalidade) foi causado pelo acesso ao crédito (objetivo), e não por variações em um conjunto diverso de condições (climáticas, tecnológicas e de mercado) ou em interação com elas. Conselhos não são a exceção. A conexão entre as decisões tomadas por conselheiros, de um lado, e desempenho escolar, saúde da população, qualidade do meio ambiente, ou mesmo o número de professores em sala de aula ou de leitos em hospitais — mais facilmente aferíveis —, de outro, é, no melhor dos casos, mediada por diversos processos e instâncias setoriais de decisão e implementação externas aos conselhos. Ainda assim, o acúmulo de conhecimento mostra que existe associação entre presença de conselhos nos municípios e melhor desempenho de políticas.

A presença de conselhos em conjunto com outras IPs atuantes nos municípios se encontra associada a mais investimentos em áreas como educação, saúde e assistência social, e, no geral, a mais investimento per capita. A covariação positiva também foi verificada para conselhos separadamente, como, por exemplo, na provisão de maior número e diversidade de serviços de assistência social e a presença de conselhos da área. Nessas covariações, conselhos fazem parte de um conjunto de fatores com efeitos virtuosos, mas as relações causais entre eles permanecem desconhecidas. Avaliações têm avançado, sanando essa lacuna, e mostrando que, se consideradas as eleições e os programas sociais — a política e as políticas, respectivamente —, conselhos têm efeito específico no desempenho de variáveis de saúde altamente sensíveis como a mortalidade infantil. A depender da área, conselhos produzem efeitos mais imediatos no desempenho das políticas, como no caso das chances maiores de se adotar programas de habitação de interesse social nos municípios que contam com conselhos nesse setor. Mais: âmbitos específicos de decisão dos conselhos, como o da fiscalização, produzem efeitos gerais sobre a administração dos recursos de saúde. Com base nas auditorias da Controladoria-Geral da União, foi identificado um efeito consistente de redução da corrupção por ano adicional de experiência ou vida do conselho municipal de saúde.

9. Os conselhos competem com a representação eleitoral?

Esta não é uma pergunta passível de ser respondida com base no conhecimento acumulado, pois sua elucidação depende de pressupostos teóricos e axiológicos mais gerais sobre o que se entende por representação política e sua configuração institucional nas democracias. Assim, ela destoa das perguntas anteriores, mas é especialmente pertinente para encerrá-las, considerando o momento da vida política do país. Conselhos entraram no elenco dos objetos de disputa política no cenário nacional desde o fim do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, porque, argumentou-se, seriam um atentado à legítima representação conduzida ao Congresso pelo voto popular; posteriormente, tornaram-se objeto de decisões do Poder Executivo visando a limitar sua atuação, durante o governo do presidente Temer, ou extingui-los, durante o governo Bolsonaro.

Porém, a maioria dos conselhos municipais que reúnem as condições para incidir sobre a provisão de políticas são antecedidos pela criação de conselhos nacionais na respectiva área, normalmente criados por lei e, por conseguinte, aprovados pelo Poder Legislativo. Sua expansão ocorreu não contra, mas graças à anuência dos representantes eleitos. Ademais, é amplamente conhecido que o processo de implementação das políticas é longo e envolve múltiplas instâncias que escapam ao âmbito de atuação e controle dos legisladores. É precisamente no processo de implementação ou operação das políticas que incidem os conselhos, permitindo que interesses de grupos eventualmente afetados por elas sejam ouvidos e avaliados. Como instância colegiada composta por diversidade de perspectivas, conhecimentos e expertises, conselhos contribuem aliando inclusão política ao aprimoramento da provisão de políticas públicas — realizando regularmente funções que, na sua maioria, precisariam ser desempenhadas por algum órgão da administração pública caso eles não existissem. Assim, do ponto de vista da representação, conselhos ampliam-na e complementam as instituições da democracia no país. Já foi dito acima: a participação social não é “remédio para todos os males”, e conselhos não são a exceção, mas as políticas em que eles são ativos só tem a perder com sua desinstitucionalização. Como parte das capacidades estatais nos municípios, conselhos ampliam a capilaridade do Estado, geram ganhos cognitivos — ao permitir uma relação mais granulada com aqueles que implementam a política na ponta e por ela são afetados — e melhoram a governança da política.

BIBLIOGRAFIA

Se quiser se aprofundar no conteúdo da pergunta 1:

ROSENSTONE, Steven J., HANSEN, John Mark. 2003 [1993]. Mobilization, Participation, and Democracy in America. Longman Classics in Political Science.

VERBA, Sidney, SCHLOZMAN, Kay Lehman e BRADY E. Henry. 1995. Voice and Equality – Civic voluntarism in American politics. London: Cambridge University Press.

Se quiser se aprofundar no conteúdo da pergunta 2:


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