quinta-feira, 16 de abril de 2020

Nota das Trabalhadoras dos Centros de Defesa das Mulheres

Manifesto das Trabalhadoras dos Centros de Defesa e Convivência das Mulheres  

São Paulo, 14 de abril de 2020

Nós, trabalhadoras dos Centros de Defesa e Convivência das Mulheres (CDCM), serviço público em regime de conveniamento entre Organizações Não Governamentais (ONG´s) e Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social do município de São Paulo (SMADS), atuamos com o objetivo oferecer atendimento psicológico, social e jurídico, além de atividades coletivas  socioeducativas para as mulheres em situação de violência das regiões onde estão instalados. Neste período de quarentena, este trabalho está classificado como essencial e permanece em funcionamento. 

Contudo, queremos expor aqui, não só a preocupação em relação à situação de violência que as mulheres estão inseridas, principalmente pela falta de investimentos públicos em uma real política de enfrentamento às violências, - exaustivamente pautada pelas Redes de Enfrentamento da cidade -, mas denunciar a precária situação de trabalhadoras terceirizadas, que em momentos de crise como este se aprofunda, tornando visível as situações de assédios e intimidações por parte das organizações empregadoras.
 
Desde o dia 16 de março de 2020, com a promulgação do  Decreto Municipal 59.283, as atividades coletivas dos CDCM´s foram suspensas, bem como, gradualmente, os atendimentos individuais, voltando a sua atenção aos possíveis casos emergenciais, que demandam uma celeridade na proteção de mulheres e suas/seus filhas/os, como encaminhamentos às Casas-Abrigo. A possibilidade do fechamento dos serviços não foi cogitada pela SMADS, embora o atendimento remoto poderia ser uma alternativa, dada a rigidez dos fluxos que continuam centralizados nos Centros de Referências Especializados de Assistência Social (CREAS). Mais uma vez, reafirmamos que a desburocratização do famigerado fluxo de acesso às Casas-Abrigos deve ser um movimento emergencial, não só durante essa quarentena, mas que se perpetue e se aperfeiçoe em diálogo constante com as mulheres, trabalhadoras, movimentos e sociedade civil com um todo.

Ressaltamos que a burocratização exigida no momento de solicitação de vagas deve ser repensada na pandemia, visto que alguns equipamentos ao exigir relatórios, fichas e mais fichas para analisar a liberação de vaga ou não, faz com que mulheres e filhos/as aguardem por um período extenso de tempo, ou sejam removidos para diferentes locais até que seja liberada a vaga, quando a orientação é que estas mulheres não circulem entre os diferentes serviços, visto que qualquer serviço que atenda estas mulheres deveria conseguir encaminhá-la ao abrigo.

Outra dificuldade no processo de abrigamento é a locomoção da mulher aos abrigos. Dependendo do território, o CREAS transporta as mulheres em seu veículo. Contudo, esse transporte fica sob o critério da gestão de cada CREAS. Essa prática expõe as profissionais dos CDCMs (assim como as mulheres) que são obrigadas a solicitar os serviços dos aplicativos de transporte.

Diante de uma Secretaria que não aceita construir com mulheres e trabalhadoras um fluxo possível de acesso a outros serviços de proteção, o trabalho remoto ou Home Office contaria com qual estrutura? O número de celular pessoal de cada trabalhadora para fazer este atendimento à distância? É o que tem acontecido. Fica a cargo das trabalhadoras articular e “dar conta” desta estrutura de atendimento remoto.

Com a diminuição da frequência nos serviços, a possibilidade de rodízios foi adotada pelas Organizações como uma forma de diminuir o contato e a exposição neste período crítico. No entanto, muitas trabalhadoras relatam que essa alternativa vem acompanhada de intimidações como desconto de salário e férias. Ao contrário do que supõe as organizações, as trabalhadoras quando estão na condição de “Home Office” continuam em estado de atenção e seguem com o plano de trabalho de casa, inclusive contando com uma estrutura pessoal. Ao mesmo tempo que sofrem estes tipos de ameças, muitas trabalhadoras têm denunciado a ausência de equipamentos individuais de proteção (EPI), enquanto outras relatam que foram elas mesmas as responsáveis de adquirir esses equipamentos ao conjunto das trabalhadoras da equipe.

A condição de trabalhadoras terceirizadas escancara as condições precárias de contratação e expõe os limites da terceirização de uma política pública voltada às mulheres em situação de violência. Em um período delicado em que estamos vivendo, as recorrentes situações de assédio que as trabalhadoras são submetidas torna a condição de trabalho adoecedora e desgastante, hora tendo que lidar com seus empregadores, que mesmo com título de “Entidades filantrópicas” se comportam de fato como “patrões”, usando de mecanismo já expostos acima, hora tem que lidar com uma gestão (SMADS) que dá ênfase a cobrança de burocracias que em nada cria alternativas palatáveis e possíveis de proteção à vida das mulheres atendidas.

As difíceis condições de trabalho terceirizado não é um “privilégio” nosso. Nesse sentido, também nos solidarizamos ao conjunto de trabalhadores terceirizados da Política de Assistência Social que tem lidado com as mesmas, quando não piores, situações de assédio e exposição dia após dia, principalmente com as trabalhadoras autônomas (oficineiras) que estão em pior condição, já que não possuem a garantia de pagamento pelas atividades que seriam realizadas nos serviços. Nós, insistimos e reivindicamos a manutenção e o pagamento integral da verba destinada para as oficinas, que sejam repassadas para estas trabalhadoras que dependem destes recursos para garantir a sua sobrevivência.

Por fim, queremos apontar que colocar o aumento do tema da violência contra mulher na ordem do dia faz parte da prática cotidiana desse grupo de trabalhadoras, que mesmo nas condições mais precárias na relação de trabalho tem feito enfrentamentos na tentativa constante de refletir e organizar conjuntamente a Política de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres da Cidade de São Paulo.

Estar cientes da importância dos nossos serviços, não nos alienam sobre a condição de trabalho no qual todas nós estamos submetidas.

Trabalhadoras da Rede de CDCM´s da Cidade de São Paulo.
 

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