Estudo da FGV mostra que área, composta principalmente por mulheres, não se sente preparada ou bem equipada para lidar com a covid-19; profissionais relatam que condições de trabalho, que sempre foram precárias, pioraram
Por Lola Ferreira*
No dia 18 de março, quando a quarentena imposta pelo novo coronavírus tinha acabado de ser implantada nos primeiros estados, o Conselho Federal de Serviço Social divulgou um documento com orientações bem diretas aos profissionais da categoria sobre como agir e fazer seu trabalho enquanto durasse a pandemia. Quase dois meses depois, o que os profissionais da categoria não imaginavam é que haveria um descaso institucional com a área e, consequentemente, com a população atendida por elas. Pesquisa organizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que a percepção dos profissionais de assistência social é que eles não estão preparados, protegidos ou treinados para atuar na pandemia de covid-19.
A pesquisa recebeu respostas de 439 profissionais da assistência social de todo o Brasil, com maior predominância de profissionais do Sudeste (54%) e mulheres (86%). O questionário não foi restrito a profissionais do Serviço Social, mas a todas as categorias que trabalham na assistência social (como psicólogos, por exemplo). Apesar disso, profissionais ouvidas pela Gênero e Número afirmam que são as assistentes sociais as mais impactadas pelos problemas descritos no relatório, por serem maioria nas equipes.
O estudo da FGV também revela que 91% dos consultados têm medo de contrair a covid-19, 61,5% não se sentem preparados para atuar durante a pandemia, 87% não receberam treinamento adequado e outros 61,5% não receberam equipamentos de proteção adequados para trabalhar. Um cenário temeroso, visto que é a assistência social a responsável por atender a população mais vulnerável, social e economicamente.
Ainda que 74% tenham dito que o trabalho mudou a interação com os cidadãos, com a instituição de teletrabalho e distanciamento físico, é a proximidade que ainda marca o trabalho da assistência social. Sem a preparação necessária, esses profissionais estão em risco.
“As condições de trabalho que sempre foram precárias pioraram nesse período com a exposição: é falta de insumos, de limpeza, higienização dos espaços. Temos um Cras (Centro de referência de assistência social) que ficou sete dias sem limpeza e higienização do espaço físico”, denuncia à Gênero e Número um grupo de profissionais que não quer ser identificado.
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Todas são assistentes sociais da mesma unidade de atendimento na cidade de São Paulo. Elas contam que o assédio moral está maior nesse período e temem represália pelas denúncias. Também há muitas trabalhadoras da área afastadas “por sofrimento mental”, afirmam, “em decorrência dessas péssimas condições de trabalho”.
Outra profissional, que deu seu relato também sob condição de anonimato, demonstra angústia com a falta de EPIs: “Em muitos serviços, o trabalhador utiliza máscaras de confecção caseira compradas com seus recursos ou doadas. Desta forma, não se tem garantia de proteção”, afirma.
E isso também aparece no estudo da FGV: entre os 169 profissionais que receberam equipamentos de proteção, 26% afirmam que a qualidade deles é ruim.
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A insegurança com os equipamentos reverbera no atendimento. Na apresentação da pesquisa, Giordano Magri, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo, afirma que o descaso com esses profissionais impacta diretamente no acesso da população pobre aos serviços extraordinários que surgem durante a pandemia.
“A pandemia foi enquadrada como um problema essencialmente econômico e de saúde, e isso acaba invisibilizando o papel estratégico que a área social tem neste momento. As medidas econômicas só chegam na população mais pobre se o trabalho da assistência social funcionar. Proteger esses trabalhadores tem impacto direto na proteção da população mais vulnerável”, avalia.
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A área da assistência social é formada majoritariamente por mulheres, e isso, elas acreditam, está diretamente associada à forma como são escanteadas no acesso a melhores condições de trabalho.
“Influencia em ser tratada como política inferior. Somos trabalhadoras mais invisibilizadas, nossas condições de trabalho são extremamente precárias. Isso tem uma dimensão de classe, pois atendemos os mais empobrecidos; de gênero, pois somos mulheres; e de raça, pois somos em sua maioria mulheres negras”, avaliam.
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