segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Uma reflexão para quem vivencia as respostas e acessos ao SUAS cidadãs e cidadãos - Profa Aldaiza Sposati

 


Uma reflexão para quem vivencia as respostas e acessos ao SUAS cidadãs e cidadãos

Vive-se a soberania do Estado Fiscal que menospreza o Estado Social. Entende-se que proteção social, nos ditames neoliberais, é responsabilidade de cada um e não reponsabilidade coletiva e social. Não é aceito gasto social para além do padrão esmolar. O gasto social  com proteção social é considerado desperdício de orçamento e presença de má fé e fraude dos requerentes, mesmo sendo parte das garantias constitucionais de seguridade social. O Estado Fiscal tem por fundamento  concepção esmolar do benefício de proteção social pública, não incorpora como dever de Estado o reconhecimento social de cidadania e seus direitos . O Estado Fiscal não tem consciência da barbárie que a desigualdade social- economica e política provoca na precarização da sobrevivência de indivíduos e familias apesar de humano

A ocorrência do encolhimento do Estado Social pós CF-88 em 2024 está marcada por dois agravantes.

O primeiro deles deriva do rompimento em 2016 com os ecos do pacto social de reconhecimento universal da cidadania dos brasileiros que fora instalado pelo Estado de Direito erigido pela Constituição Cidadã de 1988. Regrediu-se na pactuação do  Estado Social da sociedade brasileira a partir de 2016 .Exemplo claro foi o do abandono do fortalecimento de direitos e garantias de crianças e adolescentes( ECA 1990)  substituídos  pelo marketing do slogan: Criança Feliz.

 Proteção social retrocedeu da condição de direito de cidadania, sendo substituído pela precarização da seleção dos mais miseráveis submetidos a  prática seletiva e meritocrática da benemerência. Impressiona quando o Estado Fiscal faz retroceder o Estado Social, provocando o acanhamento da responsabilidade pública  tornando-se regulador do modo com que tem que ocorrer relações de convivência, de laços familiares e suas obrigações de sustento mútuo. Uma invasão que parece retornar aos costumes do senhores de senzalas

Pós 2016 foi disseminado, a alta voz, o entendimento neoliberal de que a proteção social é um dever pessoal e individual e de alçada da familia, e da benemerência da sociedade. Voltou-se a Colonia e ao Império, deixou-se a República. O cidadão de baixa renda foi despedido de seus direitos, fugindo o Estado de sua responsabilidade social .

 O Estado brasileiro sob nova investidura foi deixando de ser Social no campo do direito, passando a exercer referência esmolar, meritocrática ,seletiva e emergencial. Adotou no social a lógica da miserabilidade e não mais, a do direito.

Como uma segunda grande ocorrência,  tem-se  um descolamento dos propósitos cidadãos no Governo da Coalizão salvacionista da barbárie, em defesa da democracia. Em 2023 foi fortemente resgatada a centralidade do combate à fome e combate à pobreza. Essa mensagem embora tenha a direção de dignidade para todos em sua sobrevivência, colocou ao largo o acesso a direitos sociais e a  garantia do Estado Social aos direitos sociais. Combate à fome ou à miséria não pode significar a imobilidade das conquistas sociais de proteção social . Mas infelizmente esse deslocamento passou a ocorrer como se uma nova regra tivesse silenciosamente banido conquistas sociais . O SUAS Sistema Único de Assistência Social virou banalidade. A relação terceirizada passou a ter maior relevo para os interesses de gestores com a manutenção da redução, iniciada pós 2016, do  orçamento do SUAS no Governo Federal.

Em nome da operação limpeza na gestão estatal de favorecimentos bolsonaristas,  foi construída perversamente, pelo MDS o entendimento de que os requerentes e usuários de beneficios monetários agiam de má fé, praticavam fraudes. O discurso praticado deslizou do exercicio de revisão da gestão bolsonarista para a acusação de que os requerentes  e  usuários de benefícios monetários seriam fraudadores que precisavam receber uma investigação: verificar onde viviam, com quem viviam, entrar em sua casa e fiscalizar. Tudo isso sem qualquer apoio de defesa ou escuta dos beneficiários ou requerentes.

 Manifestou-se total desrespeito aos cidadãos de baixa renda, em manifesta síndrome escravagista e discriminadora daqueles sob baixa renda. Autoridades  recorreram a metáforas escolásticas com nominação de operação cata-piolho, pente fino e que tais.

Desenvolveu-se na comunicação dos representantes oficiais estatais, sobretudo paradoxalmente do MDS, a imagem de que a população beneficiária não era confiável mas nunca foi indagado pela burocracia do MDS se os beneficiários tinham segurança alimentar Do que e quando se alimentavam? Não importou a vida concreta se de miséria ou fome, reproduzir na gestão da proteção social as palavras de ordem: combate à fome e combate à miséria. Não se indagou o que não ocorria no processo de gestão de beneficios que empesteava tudo de piolhos.

 O processo de comunicação adotado pela SNAS não  reforçou o SUAS em suas responsabilidades, suas unidades de referência, a qualidade de seu serviços. As mensagens sobre o SUAS passaram a indicar que sua trajetória institucional seria o acesso ao alimento, sem contudo ter qualquer introdução de novas condições ou regulação para tanto, ou mesmo sem ter perspectiva de superar a precariedade de presença de seus serviços nos municipios.

 Não ocorreu a decodificação dessas metas em ações concretas de combate à forme e miséria que tivessem o poder de   se tornar substitutos da garantia de direitos sociais, ou de proteção social  a ser garantidas pelas política social em âmbito federal e federativo.

Vive-se o rompimento do pacto social da Constituição de 1988 e a destituição do reconhecimento social pelo Estado brasileiro, em sua dimensão social, de afiançar a condição de cidadão daqueles com menor renda. Pior, vem ocorrendo uma destruição da dignidade  de cidadãs e cidadãos mesmo deficientes ou idoso. A comunicação verbal e institucional do MDS apresenta os usuários de atenção da proteção social de assistência social como praticantes de fraude contra o Estado. Embora essa acusação, eles não tem onde nem como se defenderem da acusação burocrática.

 A comunicação do MDS é omissa em sedimentar o Estado Social pela solidariedade coletiva, pela garantia de direitos sociais . Usa de concepção esmolar e não pratica o reconhecimento social estatal da cidadania com os segmentos mais precarizados da sociedade.

A gestão do SUAS, por sua vez ,não teve voz para se manifestar diante das acusações do Estado Fiscal que disseminou na sociedade a figura de que o BPC é um lugar de roubo do Estado, o que torna o SUAS um sistema que compactua com a fraude  e que não  desperta todos para a construção da proteção social estatal, disseminada pelo pacto Constituição de 88. Discute-se orçamento em valores numéricos,  desnudado  de direitos e trato cidadão daqueles que tem menos renda. Parece que se está tratando de algo irregular e moralmente indevido.

O BPC foi desenhado ao público de modo a que adquirisse a forma e um artificio para tirar de forma espúria, interessada individualmente o dinheiro do Estado. M\as nada se discutiu sobre a gestão precária do BPC, nada se disse que os seus usuários e requerentes não tem canal de escuta, que são açodados pela inteligência artificial  sem condição e preparo para enfrentá-la. Nada se disse que o Fundo Nacional de Assistência Social-FNAS é quem, no Orçamento Federal,  detém recursos para o BPC mas não o aplica pois o transfere  para o INSS. Sim, o INSS é contratado pela SNAS  por significativo valor para gerir o BPC  mas nada é dito sobre isso.

Nada se diz sobre a existência (ou não existência) de avaliação do serviço que é prestado ao usuário pelo INSS. Nada se diz que dentre usuários idosos do BPC boa parte foi contribuinte da previdência que recolheu seus contributos mas que pelo fato dele não ter completado o tempo para a previdência formal, não lhe foi permitido  seguir o caminho tradicional, embora suas contribuições financeiras tivessem permanecido no INSS.

Nada foi dito que a renda mensal vitalícia criada em 1974, para atender aos contribuintes que não completavam a quantidade de contribuições para se aposentar, foi a antecessora do BPC e que ainda dentre beneficiários há aproximadamente 40 mil deles procedente dessa ação governamental substituída na prática em 1996 pelo BPC .

Em quem momento, de toda essa operação fiscal de restrição ao BPC, foram ouvidos os profissionais que atuam na atenção a beneficiários? Onde se encontra a divulgação dos relatórios técnicos que embasaram as decisões restritivas ? Onde foram ouvidos beneficiário?

 Crescimento da presença de autismo, crescimento da judicialização em um processo que nega atenção presencial do requerente, com certeza o coloca na oferta de alguém que vai auxilia-lo, o advogado que o chama erroneamente de “O LOAS”, reiterando o reducionismo da LOAS e do SUAS .

Há um ditado bastante usado pelo Presidentes Lula. Como prova de um fato não adianta mostrar só o pau, tem que mostrar o pau e a cobra. Parece que falaram de muitos paus e restringiram a demonstração das cobras e suas espécies, múltiplas espécies.

 Profa .Dra. Aldaiza Sposati

 

 

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