Nota de posicionamento
Porque somos contra o retorno do modelo psiquiátrico manicomial?
É com indignação e sensação de Tordesilhas histórico que recebemos o posicionamento do Coordenador Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, Sr. Quirino Cordeiro, que se colocou em defesa do retorno do modelo manicomial e da expansão dos leitos em Hospitais Psiquiátricos, como política pública em saúde mental, na contramão de, pelo menos três décadas de lutas e conquistas por um cuidado em liberdade.
A posição do coordenador nacional de saúde mental, álcool e outras drogas demonstra desconhecimento, desinteresse e desprezo frente aos avanços nas formas de atenção à saúde mental em busca do cuidado integral das pessoas em sofrimento psíquico, calcado em vasta quantidade de estudos e pesquisas e de experiências exitosas, tal Coordenação assume oficialmente o discurso do mínimo cuidado e da exclusão social. Com o argumento da produtividade e da fragilidade da rede substitutiva ao manicômio, precarizada pela própria gestão falha e negligente da saúde pública, baseado em insignificantes números frios, enfatizando o tecnicismo com o prejuízo da humanização das práticas e saberes, decreta que a fragilidade da rede pública decorre do modelo antimanicomial, deslocando a responsabilidade óbvia da gestão no subfinanciamento do SUS buscando assim seu sucateamento e seu fracasso em favor do interesse privado, que se fortalece ainda mais com tal postura, retrógrada e atroz.
Indica claramente para o financiamento e disseminação dos leitos em Hospitais Psiquiátricos, que ainda persistiam apesar do clamor da sociedade pela extinção desses espaços, que sem medo de nomear, chamamos de hospícios, que servem às práticas de violência, tortura e silenciamento, velados pelo discurso do tratamento em saúde mental, assemelhando a verdadeiros “campos de concentração”. Mesmo com a lei da Reforma Psiquiátrica (10.216/2001), que ao longo de sua vigência é alvo de descumprimentos e distorções, os leitos nessas instituições asilares sempre se mantiveram no cenário de nossa realidade. Agora, com a anuência do poder público, insinua e, de certa forma, anuncia seu retorno como Política de Estado, decretando a total incapacidade e desdém frente à garantia dos direitos dos cidadãos. Afirma assim, a insignificância de grande parte da população aos olhos dessa coordenação e desta pasta. Afirma que o Estado não atua em favor do interesse coletivo, mas de poucos. Afirma que o Estado não protege, e sim, violenta.
Da mesma forma que retrocederemos décadas nos modos de lidar com o sofrimento psíquico, também, o Estado retoma a forma de gerir a coisa pública, ao modo do Regime Militar, sem participação social, contrário ao interesse público, pela negação de direitos, pela coerção e imposição. A própria sociedade passa a se caracterizar como um manicômio, aprisionada pelo poder decisório abusivo de poucos, com práticas de opressão, arbitrariedades, violação de direitos humanos e silenciamento do sofrimento. A vida é anulada.
Estamos defronte de um retrocesso de décadas de lutas e conquistas em defesa do cuidado em liberdade, dos direitos humanos e por uma sociedade sem manicômios. No ano em que se completa os 30 anos da Carta de Bauru, nos deparamos com uma gestão pública da saúde que nega o modelo antimanicomial de cuidado e de sociedade, mais justa, igualitária e solidária.
Frente a esse cenário, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo vem a partir dessa manifestar sua completa e total contrariedade diante do posicionamento do coordenador de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, compreendendo que atenta contra princípios e valores que suportam o direito à vida. Reafirmamos, uma vez mais, nosso compromisso por uma sociedade sem manicômios, pela Luta e Reforma Psiquiátrica Antimanicomial e pelos Direitos Humanos!
Nem o CRP SP, nem a luta antimanicomial e a luta em defesa do Sistema Único de Saúde se calarão. Lutaremos contra todo e qualquer retrocesso apontado por uma sociedade sem manicômios.
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